Actividade Paroxística

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015


"E se um dia ou uma noite um demónio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela."


A Gaia Ciência, Friedrich Nietzsche.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015


Cet amour
si violent
se fragile
si tendre
si désespéré
cet amour
beau comme le jour
et mauvais comme les temps
quand les temps est mauvais
cet amour si vrai
cet amour si beau
si heureux
si joyeux
et si dérisoire
tremblant de peur comme un enfant dans le noir
et si sûr de lui
comme un homme tranquille au milieu de la nuit
cet amour guetté
parce que nous le guettions
traqué blessé piétiné achevé nié oublié
parce que nous l´avons traqué blessé piétiné achevé nié oublié
cet amour tout entier
se vivant encore
et tout ensoleillé
c'est le tien
c'est le mien
celui qui a été
cette chose toujours nouvelles
et qui n'a pas changé
aussi vraie qu'un oiseau
aussi chaude aussi vivante que l'été
nous pouvons oublier
et puis nous rendormir
nous réveiller souffrir vieillir
nous endormir encore
rêver á la mort
nous éveiller sourire et rire
et rajeunir
notre amour reste là
têtu comme une bourrique
vivant comme le désir
cruel comme la mémoire
bête comme les regrets
tendre comme le souvenir
froid comme la marbre
beau comme le jour
fragile comme un enfant
il nous regarde en souriant
et il nous parle sans rien dire
et moi j´écoute en tremblant
et je crie
je crie pour toi
je crie pour moi
je te supplie
pour toi pour moi et pour tous les autre
que je connais pas
reste là
là oú tu es
là oú tu étais autrefois
reste là
ne bouge pas
ne t'en va pas
nous qui sommes aimés
nous t'avons oublié
toi ne nous oublie pas
nous n'avions que toi sur la terre
ne nous laisse pas devenir froids
beaucoup plus loin toujours
et n'importe oú
donne-nous signe de vie
beaucoup plus tard au coin d'un bois
dans la foret de la mémoire
surgis soudain
tends-nous la main
eu sauve-nous.

Jacques Prévert.





Se eu soubesse a palavra,
a que subjaz aos milhões das que já disse,
a que às vezes se me anuncia num súbito silêncio interior,
a que se inscreve entre as estrelas contempladas pela noite,
a que estremece no fundo de uma angústia sem razão,
a que sinto na presença oblíqua de alguém que não está,
a que assoma no olhar de uma criança que pela primeira vez interrogou,
a que inaudível se entreouve numa praia deserta no começo do Outono,
a que está antes de uma grande lua nascer,
a que está atrás de uma porta entreaberta onde não há ninguém,
a que está no olhar de um cão que nos fita a compreender,
a que está numa erva de um caminho onde ninguém passa,
a que está num astro morto onde ninguém foi,
a que está numa pedra quando a olho a sós,
a que está numa cisterna quando me debruço à sua borda,
a que está numa manhã quando ainda nem as aves acordaram,
a que está entre as palavras e não foi nunca uma palavra,
a que está no último olhar de um moribundo, e a vida e o que nela foi fica a uma distância infinita,
a que está no olhar de um cego quando nos fita e resvala por nós,

- se eu soubesse a palavra,
a única, a última,
e pudesse depois ficar em silêncio
para sempre.

in Uma Esplanada sobre o mar (Difel, 1986)

terça-feira, 17 de novembro de 2015



tudo a escapar das mãos

sinto tudo a es

                        c   
                         a

                                p


                                    a



                                        r



das mãos.




domingo, 11 de outubro de 2015

Henri CARTIER-BRESSON, Mexico, 1934.



"The body breaks. The body aches. The body calls. The body burns."


sábado, 10 de outubro de 2015



Oh, say say say
Wait...

They don´t love you like i love you.
They don´t love you like i love you.
They don´t love you like i love you.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

terça-feira, 22 de setembro de 2015

sábado, 19 de setembro de 2015

Le Dialogue



... As Merleau-Ponty puts it, "quand je parle à autrui et l'écoute, ce que j'entends vient s'insérer dans les intervalles de ce que je dis, ma parole est recoupée latéralement par celle d'autrui, je m'entends en lui et il parle en moi, c'est ici la même chose to speak to et to be spoken to".

The process of dialogue, however, is far from being idyllic or harmonious. Rather, it exposes us to the violence we experience when innovative speech carries us beyond the limits of what we know and when we loose control over the whole process. The terrain of dialogue is no firm ground, but unclear and confusing area in which we encounteer the other not as somebody we know, but somebody we don't know. At the beginning of dialogue, we are familiar with the speech and behavior of the other, but then we are gradually or suddenly confronted with something unforseen that we do not understand, something that turns the other into a stranger. "Si autrui est vraiment un autre", claims Merleau-Ponty, "il faut qu'à un certain moment je suis surpris, désorienté, et que nous nous recontrions, non plus dans ce que nous avons semblable, mais dans ce que nous avons de différent, et ceci suppose une transformation de moi-même et d'autrui aussi bien: il faut que'elles soient devenues sens." In other words, it is necessary to encounter the other in the difference that makes us different and along this difference become-other so that our difference will not simply disappear, but - instead of being filled with the incomprehensible nonsense - will finally make some sense. If we are to comprehend the incomprehensible difference and get oriented in the unfamiliar terrain of dialogue, both sides of dialogue must change themselves and become-other without becoming identical.

To acknowledge the role innovative speech plays in this process of the intercommunication, we can say together with Merleau-Ponty that

... dans la parole se réalise l'impossible accord des deux totalités rivales, non qu'elle nous fasse rentrer en nous-mêmes et retrouver quelque esprit unique auquel nous participerions, mais parce qu'elle nous concerne, nous atteint de biais, nous séduit, nous entraîne, nous transforme en l'autre, et lui en nous, parce qu'elle les limites du mien et du non-mien et fait cesser l'alternative de ce qui a sens pour moi et de ce qui est non-sense pour moi, de moi comme sujet et d'autrui comme objet.



Thinking in Dialogue with Humanities, paths into Phenomenology of Merleau-Ponty, Zeta Books, Czech Republic, 2011.


perfeitas amoras

silvestres amores.



sábado, 5 de setembro de 2015



são estreitas as noites

onde dormes

as mãos tocando

a manhã

e alguns sonhos XS

nas dobras do lençol.


quarta-feira, 2 de setembro de 2015





todos os pianos, violinos, contrabaixos

em cima do meu nome

todas as cordas

vogais

todas as cores

vocais

todos os homens acordam

sentimentais.




sábado, 8 de agosto de 2015

à*vida


.

por vezes a vida convida

mas tão indevida

mente

quer-me servida

para me endividar

.


segunda-feira, 22 de junho de 2015




Droll thing life is - that mysterious arrangement of merciless logic for a futile purpose. The most you can hope from it is some knowledge of yourself - that comes too late.

Heart of Darkness, Joseph Conrad.



quinta-feira, 11 de junho de 2015

quarta-feira, 10 de junho de 2015



...

relembra-me as regras
do saber viver
repõe-me o sentido nos sentidos
olfactos
ouvidos
à vista
de tactos
o teu paladar.




domingo, 7 de junho de 2015



let your eyes gently weep upon my sleeve.

let your eyes gently weep upon my sleeve.

let your eyes gently weep upon my sleeve.

...


quarta-feira, 27 de maio de 2015


la la love you.


...

agora que a respiração se abre como um fruto nocturno e que o teu nome é feito de silêncio e de romãs, toda a noite parece existir fora de nós. aqui dentro é um outro fim, um farol que nasce onde a escuridão termina, uma luz de silvos estrelas, ideia alguma. calor. o verão ficou suspenso entre duas estações, dois corpos, suor. uma rede extensa alonga-se sobre o mar. os dedos surgem como peixes indecisos na corrente que nos arrasta mas a tua mão sobe exacta com o fulgor das aves, atravessando o abismo dos dias difíceis.


quinta-feira, 14 de maio de 2015


era uma casa verde
com palmeiras em volta
onde habitavam palavras
azuis como Mar.


quarta-feira, 13 de maio de 2015



Enfant, je m'ennuyais souvent et beaucoup.
Cela a commencé visiblement très tôt, cela s'est continué toute ma vie, par bouffées (de plus en plus rares, il est vrai, grâce au travail et aux amis), et cela s'est toujours vu. C'est un ennui panique, allant jusqu'à la détresse: tel celui que j'éprouve dans les colloques, les conférences, les soirées étrangères, les amusements de groupe: partout où l'ennui peut se voir.

L'ennui serait-il donc mon hystérie?


Roland Barthes par Roland Barthes, Éditions du Seuil, 1975.


segunda-feira, 11 de maio de 2015

je serais plus noir qu'un noir du kenya
une intellectuelle qui buvait du thé.

why don't you close the door and shut the curtains
cos you're not going anywhere..

sábado, 2 de maio de 2015

quinta-feira, 30 de abril de 2015



Repito que vivo enclausurado na agilidade de um animal nascido
Correndo ao lado dele, correndo para ele - era assim
Que eu queria que fosse a linguagem veloz:
Uma casa para a infância com trepadeiras
Para que as palavras ficassem como frutos no alto.
Repito a corrida na memória quando estou parado
Penso velozmente que o amor, como Dante disse, é um estado
De locomoção. É um motor. E fico a trabalhar no mecanismo secreto
Do amor
Sei que estou em viagem na palavra que se move.
Repito o trajecto para ver o poema de novo - era assim
Que eu queria que fosse a linguagem de uma coisa amada
Correndo ao meu lado, correndo para mim no mecanismo violento
Do amor. Era nele que eu queria a casa com trepadeiras
Onde as palavras ficassem silenciosas e altas com um pátio interior.



Daniel Faria (1971 - 1999)



And you sang "sail to me, sail to me.. let me enfold you."
Time, Kim Ki Duk (2006).
Baemikkumi Sculpture Park, South Korea.

domingo, 26 de abril de 2015



não sei senão voltar
à estrada onde comecei
perco-me sempre
na terra do caminho
tropeço na dúvida
finjo que quero
finjo que vou
nunca acreditei
muito
em lugares de verdade.


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Mark Rothko.


Porque todos os dedos são gestos imprecisos.
E todas as palavras são beijos emprestados.


...what i want is a little cosmos (with its own time, its own logic) inhabited by "the two of us".
Roland Barthes, A Lover's Discourse.

quinta-feira, 23 de abril de 2015



Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e subtileza
que dê o nome e espere. Talvez apareça


Mario Cesariny.


elle s'est tuée
en regardant ses propres yeux.

quinta-feira, 16 de abril de 2015




"Enquanto dormes constrói-me um rosto de luz, no limbo do teu sonho. Toca-o e acorda-me.
Caminha comigo, peço-te, na inquietação daquele rosto, e nesta alegria suspensa na solidão.

Há séculos que te esperava para fugirmos. E não sabia que a fuga era possível, pelas estradas de giestas em direcção ao mar.
Dorme, e consente que o meu coração escute o teu. Quero arder contigo, nesta eternidade feita de pontes atravessadas, kms nocturnos e segundos de asfalto.

Para trás ficou a cidade.
E tu sabes que a cidade só existe no apanhar um táxi. E perdermo-nos até amanhã – sem sequer podermos dizer adeus, porque não se pode dizer adeus à paixão.


Amanhã, ou enquanto dormes – agora mesmo – vou pensar em ti. Intensamente: até que as horas me doam sobre a pele, e o movimento dos dias passe como aves que perdem o sentido do voo – até que tudo o que me rodeia tome a forma do teu corpo. E em mim circules – quando estendo a mão por dentro da noite e te acordo, no fogo dos meus olhos.


No fim do sono existe um vulcão.
De repente, a manhã. A bruma. Um pássaro. As coisas que me rodeiam com seus segredos – mas as coisas, sabe-se lá, só existem porque as palavras dizem que existem. E os segredos das coisas, estão em mim – e não nas coisas.

Quando subo pela haste da manhã, encontro uma cidade de cristal. Trouxeste-ma tu, na dádiva do corpo.
E se conseguisse tocar-te com a respiração, ouvia-te dizer:
É na desolação dos dias que o meu olhar segrega o mel com que te alimentas.

Penso no que te vou deixar: nomes de flores e de estrelas para refazeres os jardins e as constelações, e o peso etéreo da minha morte – para continuares a celebrar a vida.


Insónia. Noite fria, repleta de medos. Noite sem fim. Nada.

Levanto-me e abro a janela. Respiro fundo. Um fio de sol embate na garrafa de gin abandonada ao lado da cama.
Ponho os óculos, e o dia torna-se nítido, focado, limpo, e cheira a violetas...

Às vezes, tenho a impressão de ter perdido a exactidão dos gestos e das palavras.
Estive tempo a mais sozinho – reaprendo, com dificuldade, a ser cúmplice, amigo, amante.

Não me desagrada a ideia de viver num farol abandonado. Não me desagrada que a luz se apague. Não me desagrada pensar que posso perder a lucidez.
Por isso bebo.
Beber, ajuda a cicatrizar o olhar ferido da noite. Isola-nos do mundo, acende-nos os gestos, antes de no perdermos de bar em bar.
Amantes e embriagados. Destinados à chuva das ruas, às cidades que ardem junto ao mar, ao silêncio azul das manhãs.
Aí vem o 28 dos Prazeres... e um táxi.Não me abandones, fica...
E o vinte e oito passa, e passa o táxi, enquanto olhamos “A Dança” de Matisse na capa dum livro.

Vamos pela manhã que se ergue, suja, enevoada – onde as palavras que digo se confundem com o teu sorriso. E os semáforos mudam de cor, inutilmente.
Rua da Rosa, Travessa da Espera, Calçada do Combro. Silêncio sobre silêncio. A vida suspensa no estremecer de um abraço.
Até logo. Se te lembrares de mim, telefona.

Fecho, por fim, as pálpebras. O teu rosto sobrepõe-se à imagem do meu rosto. A tua mão esconde-se na imagem da minha mão. E no espelho já não há imagens, nem corpos, nem mar...

Logo à noite, outra vez o olhar, os corpos, a chuva, o sono, a fuga, a alma, o dia, os dias... o regresso. O telefone, e Lisboa a sussurrar no vento a tua ausência.

A vida é sacana. Sobretudo não é aquilo que nos disseram que era.
Por vezes, quando nos sentimos morrer vemos como é disparatado saber que tudo vai acabar. Precisamente quando tínhamos descoberto alguém com quem podíamos falar.
Passamos a vida numa espécie de silêncio, numa nudez terrível que se quebra, ainda que raramente, diante de certas coisas que nos contaram e nos deslumbraram.
Mas é tarde. As coisas que nos deslumbraram eram efémeras, breves. E não se pode voltar atrás.

Tenho um amigo que disse:
Sabes, a verdade nunca acaba.
Mas o que será a verdade quando estivermos mortos?

Penso no lugar secreto do Caos e da Ordem que se erguem, subitamente, diante daquele que ama, e escreve.

Um dia disseste:
A paixão serve para te mostrar os fogos da noite.Acreditei no que me dizias, mas já não consigo dormir, só morrer. O teu sorriso colou-se-me à boca.
Passo os dias a espiar as paisagens diluídas na memória que tenho de ti. Atravesso continentes que se transformam em minúsculas dores, pequenos territórios que cabem no fundo duma algibeira, ou em meia-dúzia de palavras.
Lembro-me que numa viagem de comboio podemos encontrar gente cúmplice do silêncio – mas dificilmente um amigo de olhos cor-de-amêndoa que te diga:
O teu olhar é belo.
Espantado, respondes:
O meu olhar só é belo porque se deixou aprisionar pelo teu. Nesse lugar profundo onde nos cruzamos e o mundo faz sentido. E quando a distância nos separar, e Lisboa for apenas uma impressão vaga de mal-estar, uma parte de mim pertencer-te-á.
Mentir é necessário. É a melhor maneira de esconder o que há de doloroso na verdade.
Repara, através dos meus olhos descobrirás como é grande a tristeza do mundo. Apenas isso. E quando aqui não estiveres, espetarei todas as facas que encontrar nas paredes febris da noite.
Talvez sangre dos pulsos. Talvez te escreva. Talvez...

Olho atentamente as fissuras do tecto. Desloco-me através delas, alcanço a noite.
O teu rosto, de quando em quando, pousa na minha solidão.
Há vinte anos que a vida se apagou nas linhas da mão, e os jardins da cidade permaneceram, todo esse tempo, envoltos na bruma. O Tejo não deixou o tempo correr.
Mas um dia, talvez agora, abrirei as mãos nos escuro do quarto, e o teu rosto incendiar-se-á.
As mãos queimadas, memória da tua passagem.
Por isso te escrevo, com esta luz encostada à boca. E espalho a cinza destas palavras pelo escuro da noite.
Perder-te, levar-me-ia ao zumbido ensangüentado duma bala. A paixão, a nossa, foi construída com a lentidão das obras-primas. E nela não há equívocos, nem erros.
O teu rosto é perfeito e intenso – brilha, assim que o nomeio ou toco: sinal de vida, estremecer do mundo na melancolia das mãos.

Assim te raptei uma noite – com ansiedade e susto. E assim te mantenho vivo, e amo, dentro e fora do poema.
Hoje, tudo me parece novo e antigo, em simultâneo, como se já soubesse que havias de chegar e mudar-me a vida, o rumo dela, e depois partir.

Lá fora chove. Chove sem parar. E Lisboa parece encolher-se dentro do teu sono."

Al Berto, Lisboa, 1994

segunda-feira, 6 de abril de 2015

i climbed the hill, i wanted to look down on you
but all i saw was twenty miles of wilderness
so i went home.

quarta-feira, 1 de abril de 2015



L ’endroit le plus érotique d ’un corps n ’est-il pas là où le vêtement bâille? Dans la perversion (qui est le régime du plaisir textuel) il n ’y a pas de « zones érogènes »; c’est l’intermittence, comme l’a bien dit la psychanalyse, qui est érotique : celle de la peau qui scintille entre deux pièces (le pantalon et le tricot), entre deux bords (la chemise entrouverte, le gant et la manche); c’est ce scintillement même qui séduit, ou encore : la mise en scène d ’une apparition-disparition.


Le texte que vous écrivez doit me donner la preuve qu’il me désire. Cette preuve existe: c’est l’écriture. L’écriture est ceci: la science de la jouissance du langage, son kãmasutra.



Roland Barthes,  Le plaisir du texte.



domingo, 29 de março de 2015



todos os domingos são tristes, é verdade
são horas a mais, horas que me sobram
e me pisam e me esmagam e me deitam
de extremo a extremo
em cima de tudo o que é frio
e inútil.



Insónia



antes de dormir
haveríamos os dois
de saber dançar
e dizer coisas tolas
por exemplo
são cinco da manhã
e é no tecto que ando
à procura do teu braço.



quinta-feira, 26 de março de 2015


(...)
sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou. não nos conheceremos nunca.
a dor de todas as ruas vazias.
os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida – e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a dor de todas as ruas vazias.

AL BERTO, “Horto de Incêndio”.

quarta-feira, 25 de março de 2015

terça-feira, 24 de março de 2015

Herberto Helder


*

Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.


Herberto Helder,

Fico sem ar só de te ler.