Actividade Paroxística

quinta-feira, 30 de abril de 2015



Repito que vivo enclausurado na agilidade de um animal nascido
Correndo ao lado dele, correndo para ele - era assim
Que eu queria que fosse a linguagem veloz:
Uma casa para a infância com trepadeiras
Para que as palavras ficassem como frutos no alto.
Repito a corrida na memória quando estou parado
Penso velozmente que o amor, como Dante disse, é um estado
De locomoção. É um motor. E fico a trabalhar no mecanismo secreto
Do amor
Sei que estou em viagem na palavra que se move.
Repito o trajecto para ver o poema de novo - era assim
Que eu queria que fosse a linguagem de uma coisa amada
Correndo ao meu lado, correndo para mim no mecanismo violento
Do amor. Era nele que eu queria a casa com trepadeiras
Onde as palavras ficassem silenciosas e altas com um pátio interior.



Daniel Faria (1971 - 1999)



And you sang "sail to me, sail to me.. let me enfold you."
Time, Kim Ki Duk (2006).
Baemikkumi Sculpture Park, South Korea.

domingo, 26 de abril de 2015



não sei senão voltar
à estrada onde comecei
perco-me sempre
na terra do caminho
tropeço na dúvida
finjo que quero
finjo que vou
nunca acreditei
muito
em lugares de verdade.


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Mark Rothko.


Porque todos os dedos são gestos imprecisos.
E todas as palavras são beijos emprestados.


...what i want is a little cosmos (with its own time, its own logic) inhabited by "the two of us".
Roland Barthes, A Lover's Discourse.

quinta-feira, 23 de abril de 2015



Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho

Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e subtileza
que dê o nome e espere. Talvez apareça


Mario Cesariny.


elle s'est tuée
en regardant ses propres yeux.

quinta-feira, 16 de abril de 2015




"Enquanto dormes constrói-me um rosto de luz, no limbo do teu sonho. Toca-o e acorda-me.
Caminha comigo, peço-te, na inquietação daquele rosto, e nesta alegria suspensa na solidão.

Há séculos que te esperava para fugirmos. E não sabia que a fuga era possível, pelas estradas de giestas em direcção ao mar.
Dorme, e consente que o meu coração escute o teu. Quero arder contigo, nesta eternidade feita de pontes atravessadas, kms nocturnos e segundos de asfalto.

Para trás ficou a cidade.
E tu sabes que a cidade só existe no apanhar um táxi. E perdermo-nos até amanhã – sem sequer podermos dizer adeus, porque não se pode dizer adeus à paixão.


Amanhã, ou enquanto dormes – agora mesmo – vou pensar em ti. Intensamente: até que as horas me doam sobre a pele, e o movimento dos dias passe como aves que perdem o sentido do voo – até que tudo o que me rodeia tome a forma do teu corpo. E em mim circules – quando estendo a mão por dentro da noite e te acordo, no fogo dos meus olhos.


No fim do sono existe um vulcão.
De repente, a manhã. A bruma. Um pássaro. As coisas que me rodeiam com seus segredos – mas as coisas, sabe-se lá, só existem porque as palavras dizem que existem. E os segredos das coisas, estão em mim – e não nas coisas.

Quando subo pela haste da manhã, encontro uma cidade de cristal. Trouxeste-ma tu, na dádiva do corpo.
E se conseguisse tocar-te com a respiração, ouvia-te dizer:
É na desolação dos dias que o meu olhar segrega o mel com que te alimentas.

Penso no que te vou deixar: nomes de flores e de estrelas para refazeres os jardins e as constelações, e o peso etéreo da minha morte – para continuares a celebrar a vida.


Insónia. Noite fria, repleta de medos. Noite sem fim. Nada.

Levanto-me e abro a janela. Respiro fundo. Um fio de sol embate na garrafa de gin abandonada ao lado da cama.
Ponho os óculos, e o dia torna-se nítido, focado, limpo, e cheira a violetas...

Às vezes, tenho a impressão de ter perdido a exactidão dos gestos e das palavras.
Estive tempo a mais sozinho – reaprendo, com dificuldade, a ser cúmplice, amigo, amante.

Não me desagrada a ideia de viver num farol abandonado. Não me desagrada que a luz se apague. Não me desagrada pensar que posso perder a lucidez.
Por isso bebo.
Beber, ajuda a cicatrizar o olhar ferido da noite. Isola-nos do mundo, acende-nos os gestos, antes de no perdermos de bar em bar.
Amantes e embriagados. Destinados à chuva das ruas, às cidades que ardem junto ao mar, ao silêncio azul das manhãs.
Aí vem o 28 dos Prazeres... e um táxi.Não me abandones, fica...
E o vinte e oito passa, e passa o táxi, enquanto olhamos “A Dança” de Matisse na capa dum livro.

Vamos pela manhã que se ergue, suja, enevoada – onde as palavras que digo se confundem com o teu sorriso. E os semáforos mudam de cor, inutilmente.
Rua da Rosa, Travessa da Espera, Calçada do Combro. Silêncio sobre silêncio. A vida suspensa no estremecer de um abraço.
Até logo. Se te lembrares de mim, telefona.

Fecho, por fim, as pálpebras. O teu rosto sobrepõe-se à imagem do meu rosto. A tua mão esconde-se na imagem da minha mão. E no espelho já não há imagens, nem corpos, nem mar...

Logo à noite, outra vez o olhar, os corpos, a chuva, o sono, a fuga, a alma, o dia, os dias... o regresso. O telefone, e Lisboa a sussurrar no vento a tua ausência.

A vida é sacana. Sobretudo não é aquilo que nos disseram que era.
Por vezes, quando nos sentimos morrer vemos como é disparatado saber que tudo vai acabar. Precisamente quando tínhamos descoberto alguém com quem podíamos falar.
Passamos a vida numa espécie de silêncio, numa nudez terrível que se quebra, ainda que raramente, diante de certas coisas que nos contaram e nos deslumbraram.
Mas é tarde. As coisas que nos deslumbraram eram efémeras, breves. E não se pode voltar atrás.

Tenho um amigo que disse:
Sabes, a verdade nunca acaba.
Mas o que será a verdade quando estivermos mortos?

Penso no lugar secreto do Caos e da Ordem que se erguem, subitamente, diante daquele que ama, e escreve.

Um dia disseste:
A paixão serve para te mostrar os fogos da noite.Acreditei no que me dizias, mas já não consigo dormir, só morrer. O teu sorriso colou-se-me à boca.
Passo os dias a espiar as paisagens diluídas na memória que tenho de ti. Atravesso continentes que se transformam em minúsculas dores, pequenos territórios que cabem no fundo duma algibeira, ou em meia-dúzia de palavras.
Lembro-me que numa viagem de comboio podemos encontrar gente cúmplice do silêncio – mas dificilmente um amigo de olhos cor-de-amêndoa que te diga:
O teu olhar é belo.
Espantado, respondes:
O meu olhar só é belo porque se deixou aprisionar pelo teu. Nesse lugar profundo onde nos cruzamos e o mundo faz sentido. E quando a distância nos separar, e Lisboa for apenas uma impressão vaga de mal-estar, uma parte de mim pertencer-te-á.
Mentir é necessário. É a melhor maneira de esconder o que há de doloroso na verdade.
Repara, através dos meus olhos descobrirás como é grande a tristeza do mundo. Apenas isso. E quando aqui não estiveres, espetarei todas as facas que encontrar nas paredes febris da noite.
Talvez sangre dos pulsos. Talvez te escreva. Talvez...

Olho atentamente as fissuras do tecto. Desloco-me através delas, alcanço a noite.
O teu rosto, de quando em quando, pousa na minha solidão.
Há vinte anos que a vida se apagou nas linhas da mão, e os jardins da cidade permaneceram, todo esse tempo, envoltos na bruma. O Tejo não deixou o tempo correr.
Mas um dia, talvez agora, abrirei as mãos nos escuro do quarto, e o teu rosto incendiar-se-á.
As mãos queimadas, memória da tua passagem.
Por isso te escrevo, com esta luz encostada à boca. E espalho a cinza destas palavras pelo escuro da noite.
Perder-te, levar-me-ia ao zumbido ensangüentado duma bala. A paixão, a nossa, foi construída com a lentidão das obras-primas. E nela não há equívocos, nem erros.
O teu rosto é perfeito e intenso – brilha, assim que o nomeio ou toco: sinal de vida, estremecer do mundo na melancolia das mãos.

Assim te raptei uma noite – com ansiedade e susto. E assim te mantenho vivo, e amo, dentro e fora do poema.
Hoje, tudo me parece novo e antigo, em simultâneo, como se já soubesse que havias de chegar e mudar-me a vida, o rumo dela, e depois partir.

Lá fora chove. Chove sem parar. E Lisboa parece encolher-se dentro do teu sono."

Al Berto, Lisboa, 1994

segunda-feira, 6 de abril de 2015

i climbed the hill, i wanted to look down on you
but all i saw was twenty miles of wilderness
so i went home.

quarta-feira, 1 de abril de 2015



L ’endroit le plus érotique d ’un corps n ’est-il pas là où le vêtement bâille? Dans la perversion (qui est le régime du plaisir textuel) il n ’y a pas de « zones érogènes »; c’est l’intermittence, comme l’a bien dit la psychanalyse, qui est érotique : celle de la peau qui scintille entre deux pièces (le pantalon et le tricot), entre deux bords (la chemise entrouverte, le gant et la manche); c’est ce scintillement même qui séduit, ou encore : la mise en scène d ’une apparition-disparition.


Le texte que vous écrivez doit me donner la preuve qu’il me désire. Cette preuve existe: c’est l’écriture. L’écriture est ceci: la science de la jouissance du langage, son kãmasutra.



Roland Barthes,  Le plaisir du texte.